Reflexões sobre a Pesquisa Qualitativa & Quantitativa: Maneiras complementares de aprender a realidade

Contexto histórico

A espécie humana, bem como vários outros seres vivos são movidos pela curiosidade. Este comportamento é responsável por boa parte da capacidade de sobrevivência da espécie. Nos seres humanos o desenvolvimento cerebral, notadamente dos lobos temporais, possibilitou acumular memória, que aliada ao raciocínio das áreas integrativas, como os lobos frontais, conferem ao Homem a capacidade de perceber e interpretar a realidade, elaborando teorias para compreendê-la.

Enquanto a percepção se alicerça nos sentidos (visão, audição, etc), a interpretação depende de valores culturais éticos e morais. A complexidade deste fato nos remete à função cerebral ativada no momento da observação, isto é, o observador pode evocar áreas cerebrais que funcionam em freqüências mais lentas como as ondas eletroencefalográficas teta e delta, relacionadas à criatividade e a contemplação, ou seja, a um estado de unicidade com o Todo, onde sujeito e objeto ocupam a mesma dimensão e praticamente são Um; ou o cérebro pode estar funcionando por meio de ondas beta, relacionadas à vigília e ao raciocínio lógico, separando o sujeito do objeto de pesquisa.

Estas duas situações polares encerram um espectro intermediário de possibilidades de apreensão da Realidade, que, obviamente sofre ainda a influência dos valores ético-culturais do observador.

Alguns estudos antropológicos sugerem que a espécie humana era originariamente matriarcal, vivendo em agrupamentos que coletavam alimentação de forma pacífica, a semelhança dos contemporâneos Bonobos (raça de chipanzés vegetarianos e pacíficos).O advento da agricultura e da posse da terra valorizou a força dos machos como defensores do território, possibilitando o surgimento do patriarcado com sua atitude de dominância em relação à Natureza e até mesmo em relação à mulher.

Este contexto iniciou um processo de interpretação da Realidade embasado numa divisão Homem/Natureza e Mente/Corpo, que alcançou seu auge no Ocidente, com a Inquisição, conduzida pela Igreja Católica, impondo hegemonicamente, que aos leigos restasse apenas a dimensão material da Realidade, erradicando da civilização ocidental a diversidade cultural, criando assim as condições para o surgimento da Ciência restrita a Matéria.

Newton foi um exemplo de um observador mergulhado nos valores desta época: lançou as bases de uma Física que acreditava ser a Realidade o resultado da ação de um conjunto de Leis imutáveis, cujo conhecimento, possibilitava prever com exatidão os fenômenos. A Física newtoniana dominou o contexto científico até o final do século passado.

Neste contexto polarizado entre certo e errado, entre dominante e dominado, prevalecia a dúvida e o principal objetivo da pesquisa era produzir a certeza nascida da reprodutibilidade dos resultados, sugerindo a descoberta de Leis Universais!

Somente com Einstein há cerca de um século, a dimensão imaterial (energia) é resgatada pelo domínio científico. Surge a Física Quântica, que começa a compreender a incerteza inerente aos fenômenos e reconhece que a Realidade é um "caldo" complexo de possibilidades que colapsam como objetos perceptíveis na dependência de um arcabouço informacional.

Talvez, esta intrincada e complexa rede de informações que sustenta a Realidade perceptível aos nossos sentidos, seja o que se convencionou chamar de Deus: “no princípio era o Verbo e este se fez Carne” (Evangelho de João).

Poderíamos dizer que a Informação transita verticalmente permeando a horizontalidade dos vários níveis de Realidade. Talvez seja este o motivo de ser o símbolo da cruz tão atraente para a humanidade.

Acreditamos que o simples fato de termos consciência da complexidade dos fenômenos nos tornaria melhores pesquisadores e atores mais conseqüentes no manejo de nosso cotidiano social e ambiental. O verdadeiro respeito nasce no cerne da UNICIDADE.

Metodologia de Pesquisa

A Pesquisa Qualitativa parece ter vocação para mergulhar na profundidade dos fenômenos. Faz isto de forma compreensiva, abrindo-se para apreender a egrégora informacional subjacente ao fenômeno, leva em conta toda a sua complexidade e particularidade. Não almeja alcançar a generalização, mas sim o entendimento das singularidades.

Muitas culturas, como a tibetana, onde o poder patriarcal não se tornou tão pronunciado, e o senso de unicidade se perpetuou, desenvolveram e aprimoraram formas de apreender e pesquisar a Realidade alicerçadas na senso-percepção consensual, isto é, no consenso obtido da percepção de vários indivíduos da comunidade diante de um mesmo fenômeno. Não é considerada a possibilidade de Fraude, que se origina na disputa pelo Poder. No Ocidente contemporâneo assiste-se, com freqüência a produção de resultados de pesquisas manipulados pelos interesses mais variados, obrigando a Ciência a criar mecanismos de defesa contra as fraudes que fazem parte dos valores culturais vigentes.

A Pesquisa Quantitativa aplica-se à dimensão mensurável da realidade, origina-se na visão newtoniana dos fenômenos e transita com eficácia na horizontalidade dos extratos mais densos e materiais da Realidade. Seus resultados auxiliam o planejamento de ações coletivas e produz resultados passíveis de generalização, principalmente quando as populações pesquisadas representam com fidelidade o coletivo.

Exemplos

A Qualidade de Vida é um conceito que se manteve impreciso e imensurável até recentemente. A medida em que o fenômeno passou a ser investigado por meio de Questionários e Grupos Focais, numa abordagem Qualitativa, foi progressivamente possível compreender sua intimidade a ponto de se desenvolver instrumentos capazes de mensurar a subjetividade envolvida no sentido da Qualidade de Vida. Dessa forma foram obtidos o WHOQOL (World Health Organization Quality of Life instrument), instrumento construído em âmbito mundial, pela Organização Mundial de Saúde; e o SF 36 (Short Form com 36 itens) concebido nos EUA, que foi adaptado e validado para outras línguas. Este último instrumento evidencia o impacto da Saúde nas atividades diárias e no Bem Estar. Foi desenvolvido a partir de um Questionário com mais de 200 itens que foram sendo selecionados segundo sua capacidade de discernimento e mensuração.

Com o auxílio destes recursos métricos tem-se demonstrado a ação de intervenções imateriais, como a Homeopatia, atuando na Qualidade e Sentido de Vida de idosos homeopatizados; estas respostas do terreno biológico eram dificilmente evidenciáveis antes do advento destes instrumentos nascidos da sinergia entre a metodologia Qualitativa e a Quantitativa.

Por outro lado, temos na agricultura uma situação oposta onde a abordagem Quantitativa alienada tem se demonstrado imprópria.

Com o intuito de aumentar a produção de alimentos em quantidade, a qualidade dos mesmos tem sido essencialmente afetada. Isto se deve a aplicação de tecnologia agrícola desenvolvida para o clima temperado (onde a aração tem a capacidade de trazer para a superfície a vitalidade do solo que ficou latente a 40 cm de profundidade sob a cobertura de neve do inverno) em áreas tropicais onde a camada vital está à flor do solo protegida pela sobra da cobertura vegetal. As populações nativas dos Trópicos aprenderam ancestralmente a fazer plantio direto (sem o uso do arado) por perceberem que o solo exposto ao sol dos trópicos perde a sua fauna e flora, responsável pela capacidade de converter a matéria orgânica em sais minerais que alimentam as plantas.

Para solucionar quantitativamente o problema, a tecnologia alienada, a serviço do poder dominador da Natureza, opta por alimentar as plantas com adubos químicos, gerando plantas com deficiências nutricionais que, por sua condição, atraem os organismos reguladores da Natureza, que passam a ser tratados com agrotóxicos conceituados como Pragas.

O resultado desta forma de Agricultura é um alimento micro desnutrido e intoxicado que estende esta mesma condição ao ser que dele se nutre; surge assim o ser humano metabolicamente desequilibrado que tem sido diagnosticado pela Ortomolecular.

Este é um exemplo onde o desrespeito a sabedoria ancestral em nome do “saber” hegemônico, planeja estratégias alicerçadas em dados quantitativos em detrimento da compreensão qualitativa fenomenológica.

Medidas deste tipo desconsideram a complexidade da relação ser humano / meio ambiente e da dimensão sócio cultural. Demonstram por meio de avaliações estatísticas a supremacia da tecnologia hegemônica sobre a ancestral, entretanto desconsideram o prejuízo sócio ambiental decorrente, como: a desertificação consequente a salinização do solo, a ruptura de ciclos da biodiversidade, fundamentais para a sobrevivência do Planeta como um todo e das próprias populações autóctones. Qualificam-se estes modelos como lucrativos, mas na verdade este pretenso lucro decorre dos prejuízos que sobram para a conta do poder público, na forma de catástrofes ambientais e sociais.

Estas distorções só acontecem porque o senso de Unicidade foi perdido, cedendo lugar ao materialismo reducionista e alienado da complexidade natural dos fenômenos.

Entendemos portanto, que a realidade só pode ser apreendida em sua complexidade com metodologias de pesquisa que tenham por meta alcançar a verticalidade informacional da intimidade dos fenômenos aliada a mensuração e tradução matemática da horizontalidade dos mesmos.

Artigo de Fernando A C Bignardi

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